“Citado nos telegramas secretos vazados pela organização WikiLeaks, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência da República criticou a visão manifestada nos papéis e disse que o Brasil não precisa de uma legislação para tipificar o terrorismo.
Segundo uma autoridade do GSI, o Brasil tem conceitos diferentes dos Estados Unidos sobre terrorismo e realizou estudos que concluíram que ‘é melhor trabalhar com resultados e não com um conceito de terrorismo que ninguém conseguiu fazer, nem a ONU’.
Ele pediu reserva à reportagem alegando que ‘ainda tem muita coisa por aí’ para ser divulgada.
A diplomacia americana no Brasil reporta uma antiga crítica do país em relação ao governo brasileiro, visto como leniente no combate ao terror. A pressão de Washington para tipificar o terrorismo em lei é antiga e vem desde o governo de FHC (1995 a 2002).
O governo Lula sempre evitou tipificar o crime porque isso poderia, por exemplo, criminalizar movimentos sociais como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
De acordo com o integrante do GSI, o governo tem maneiras de enfrentar o problema sem precisar tipificar o crime de terrorismo. Para isso, há instrumentos, diz, como o Código Penal”.
O artigo 1o do Código Penal diz que “não há crime sem lei anterior o que defina”. Isso é que é a chamada tipificação. Para nossa lei – assim como em qualquer outra democracia – alguém só pode ser punido se quando a pessoa agiu (ou deixou de agir) sua conduta (ou omissão) era descrita pela lei como sendo um delito. Digamos, por exemplo, que você resolva fazer uma tatuagem em seu corpo. No Brasil não há nenhuma lei que diga que essa conduta é ilícita. Se amanhã o Congresso aprovar uma lei dizendo que fazer tatuagem é crime, você não poderá ser punido já que, quando agiu, a conduta não era descrita como criminosa, ou seja, não era tipificada.
No caso do terrorismo, como não há tipificação, ninguém pode ser punido como ‘terrorista’ no Brasil. Apenas depois que o Congresso aprovar uma lei definindo o que deve ser entendido como uma conduta terrorista é que as pessoas presas a partir daquele momento poderão ser punidas como ‘terroristas’.
Outros países, ao contrário, resolveram definir o que consideram terrorismo. Em Portugal, por exemplo, a lei 52/03, diz que:
“Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante:
a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas;
b) Crime contra a segurança dos transportes e das comunicações, incluindo as informáticas, telegráficas, telefónicas, de rádio ou de televisão;
c) Crime de produção dolosa de perigo comum, através de incêndio, explosão, libertação de substâncias radioactivas ou de gases tóxicos ou asfixiantes, de inundação ou avalancha, desmoronamento de construção, contaminação de alimentos e águas destinadas a consumo humano ou difusão de doença, praga, planta ou animal nocivos;
d) Actos que destruam ou que impossibilitem o funcionamento ou desviem dos seus fins normais, definitiva ou temporariamente, total ou parcialmente, meios ou vias de comunicação, instalações de serviços públicos ou destinadas ao abastecimento e satisfação de necessidades vitais da população;
e) Investigação e desenvolvimento de armas biológicas ou químicas;
f) Crimes que impliquem o emprego de energia nuclear, armas de fogo, biológicas ou químicas, substâncias ou engenhos explosivos, meios incendiários de qualquer natureza, encomendas ou cartas armadilhadas;
sempre que, pela sua natureza ou pelo contexto em que são cometidos, estes crimes sejam susceptíveis de afectar gravemente o Estado ou a população que se visa intimidar”
Mas reparem que a maior parte das condutas descritas pela lei portuguesa são muito parecidas com condutas descritas em uma lei brasileira conhecida como Lei de Segurança Nacional (7.170/83). Ela diz (entre outras coisas) que são crimes contra a segurança nacional:
- Negociar com governo ou grupo estrangeiro para provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil, ou tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio de outro país;
- Tentar desmembrar parte do território nacional para constituir país independente;
- Importar ou introduzir, no território nacional, por qualquer forma, sem autorização da autoridade federal competente, armamento ou material militar privativo das Forças Armadas;
- Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres;
- Manter associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça;
- Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito;
- Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o exercício dos poderes da União ou dos estados;
- Apoderar-se ou exercer o controle de aeronave, embarcação ou veículo de transporte coletivo, com emprego de violência ou grave ameaça à tripulação ou a passageiros;
- Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar ou provocar explosão, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas;
- Revelar segredo obtido em razão de função pública, relativamente a planos militares;
- Fazer, em público, propaganda de guerra ou de perseguição religiosa;
- Incitar à subversão da ordem política ou social;
- Constituir organização paramilitar;
- Matar, atentar contra a liberdade pessoal, ofender a integridade física, caluniar ou difamar o presidente da República, o do Senado, o da Câmara ou o do STF.